quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Entre a cruz e o descarrego



Carlos Pompe *

As relações dos poderes estatais (que deveriam ser laicos) favorecendo seitas religiosas não só tornaram-se comuns, como continuam avançando. Não se trata apenas da profusão de símbolos religiosos, em especial crucifixos, em instalações do Executivo, Legislativo e Judiciário. Alguns acontecimentos recentes:



Em julho, o juiz José Brandão julgou um jovem de 18 anos que, meses antes de completar a maioridade, bateu o carro da mãe no muro da igreja da cidade, Maracás (BA). O desastrado infeliz foi condenado a assistir a missa dominical durante um mês, com registro de frequência repassado à comarca diretamente pelo pároco.

Palavras do julgador: “A intenção era fazê-lo pensar nos atos da vida. Coloquei essa ‘punição’ porque ele declarou que é católico, e mesmo a mãe do rapaz, presente à audiência, achou a medida bastante interessante – ele poderia sofrer punições até maiores. E o caso não foi algo assim tão grave”. Ele cogita em castigar desse modo “detentos em geral, como condição de liberdade, de orientá-los para uma religião --porque a religião sempre socializa o indivíduo”. 

Indagado se a medida não contradiz o Estado laico, Brandão minimizou: “O juiz tem independência funcional para emitir decisões que ele entenda que tenham benefício para o indivíduo apenado, ou até à sociedade. E foi apenas uma ordem de recomendação, orientação – se ele não cumprir, não vamos dar punição”. 

Até o padre da paróquia, Sidney Marques da Silva, ficou embasbacado: “Nunca vi uma coisa assim e estou surpreso. Se eu tivesse sido consultado antes, não acolheria porque religião é algo livre, que vai da consciência da pessoa, e não imposta. Hoje a luta é por isso. E o curioso é que na época estragou mais o carro que a parede da igreja, consertada pela família (do rapaz) – que por sinal é católica, mas nem é muito praticante”.

Nem só de hóstia vive o homem. Em Januária, cidade mineira de 67,2 mil habitantes, a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), por meio de emenda parlamentar do deputado estadual Arlen Santiago (PTB), liberou R$ 25 mil para o Grupo Espírita Imaculada Conceição comprar um carro. "Muitas vezes, vamos em socorro de doentes na zona rural e além de levar ao hospital, damos assistência espiritual e aconselhamento", justifica o pai de santo e vereador Ademir Batista de Oliveira (PSC), principal beneficiado da doação. A assistência espiritual a que se refere o santo homem são sessões de banhos de descarrego. 

Enquanto isso, os mortais viventes somente desta vida e não de outra no Além,organizados na Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea), continuam seu combate ao preconceito contra os descrentes. Até o momento, os outdoors da campanha para conscientizar a população e “tirar do armário” os ateus só podem ser encontrados em Porto Alegre (RS). Em Salvador (BA) e em São Paulo (SP), as peças foram proibidas por supostamente incitarem a violência religiosa. “Hoje, o nosso maior alvo é o Rio de Janeiro”, informa Daniel Sottomaior, presidente da Atea. Para ele, a recusa de empresas de ônibus a veicular a campanha ateísta em busdoors mostra que o país não está preparado para aceitar os ateus. “É só você olhar na internet que percebe esse tipo de comportamento. Se você se diz ateu, automaticamente você é satanista e estuprador de criancinhas. Existe um preconceito muito grande contra nós. No Brasil, você pode questionar a sexualidade do outro e a crença política, mas religião não se questiona de forma alguma. As pessoas parecem ter medo”.

Satanizemos no Twitter: @carlopo.



FONTE: http://www.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=4189&id_coluna=2

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