sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Correntes de Mentiras


Já nascemos envolvidos em mentiras. Desde cedo nos acostumam. Bicho-papão, homem de areia, ladrões de crianças, figuras utilizadas para controlar crianças pequenas através do medo – táctica que se estende por toda a vida, mudando as formas. Imagens falsas, como o coelho que dá ovos de chocolate, ou a figura da maldade e indiferença ao sofrimento em nossa sociedade, a do pai-natal, excrescência vestida com as cores da Coca-cola que induz ao consumo compulsivo, ... na época do Natal – outra mentira, esta da igreja cristã, para fazer frente às festas do solstício, no norte da Europa -, ensinando a fazer o bem por interesse nos prémios e evitar o mal por medo do “castigo”, em franco egoísmo.
Como fazem as igrejas cristãs, sem nenhuma preocupação real com o próximo (falo apenas das instituições), além da teoria – ou diriam aos ricos que se contentassem em ser menos ricos para que não houvesse abandonados e explorados na sociedade.
São aceites como naturais os abismos sociais - económico, educacional, informacional, de cidadania e dignidade, de direitos e oportunidades. Amarga mentira. Esses abismos são artificiais, construídos a partir de cima, para permanecer por cima. Por cima mesmo dos governos, da política e da media, que constrói com a maior competência as mentiras nas quais acreditamos. A população precisa acreditar, para se deixar conduzir a sustentar e manter todo esse esquema perverso contra si mesma.
Porque é a população quem sustenta com os impostos e trabalho, quem constrói ruas, prédios e calçadas, quem instala, carrega, levanta, derruba, atende, transporta, serve, limpa, cozinha, desentope, manobra, conserta e põe a mão na massa. E é explorada e desprezada, em nossa estrutura social. Roubada em seus direitos básicos e conduzida a desejos de consumos e privilégios superficiais, alienada e narcotizada pela media. A parte mais indispensável, mais necessária à sociedade, é exactamente a mais maltratada, a mais perseguida, a mais explorada. E em caso de inconformação, reprimida com desrespeito e violência. Não são claros os motivos de tanta mentira? Sem ricos, a sociedade poderia ser menos injusta. Sem pobres, seria impossível. São eles a base de apoio.


      Impede-se o desenvolvimento do espírito humano, pois ameaçaria o controle dos poucos dominantes sobre a sociedade. E as hipocrisias seguem, junto com a vida. A maior parte das pessoas, abestalhada entre os entretenimentos e os desejos de consumo, tem sua atenção conduzida pela media para longe da política – apresentada como um mundo incompreensível entre a falcatrua de muitos e o heroísmo duvidoso de poucos, a hipocrisia de muitos e a honestidade de poucos -, com algo de repulsivo, criando um clima de assunto chato, incômodo  repetitivo, no qual é desagradável pensar.
Não é à toa. Nesse mundo, o político, se manobram as marionetas do poder, se articulam os interesses das grandes empresas, se negocia com o património público. O poder económico local (industriais, latifundiários e outros empresários "de peso"), sócio menor e servidor de gigantescas transnacionais estrangeiras e nativas, controla o aparato público, as instituições, infiltra-se no Estado através das forças políticas, compradas com financiamentos de campanhas. A partir daí, se espalha nos poderes da república em variadas relações, no judiciário, nas estatais, nos serviços públicos, nas empresas prestadoras de serviços. A coisa pública, os bens públicos, o dinheiro público, controlados por interesses privados, fazendo fachada de democracia - só se for a "cracia do demo". Esse é o mundo dos crimes contra a humanidade, do roubo dos direitos básicos à maioria da população para privilegiar essa minoria de serviçais de luxo - que fazem pose de "superiores"- e gerar ganhos além da nossa imaginação para os pouquíssimos realmente poderosos – acima até dos Estados nacionais, a ponto de controlar as políticas públicas. Os povos precisam estar de alguma forma narcotizados, precisam ser ignorantes, desinformados, enganados, para se deixarem conduzir. Simples. Destrói-se o ensino público, controla-se o ensino particular, domina-se a media e o trabalho está feito. Fácil, quando se tem o governo, legisladores, altos postos do judiciário e a media na mão. E a garantia das forças de segurança, públicas e privadas.
Dizem que o mundo é uma guerra, a vida é uma competição e que todos são adversários, em suas áreas. Mentira. Somos irmãos seguindo a aventura da vida, nos desenvolvendo e procurando formas de resolver nossos problemas, solidariamente. Somos gregários, precisamos de harmonia, não de competição. A media é que nos instiga uns contra os outros, com a ideia furada de “vencedor” e “perdedor”. Nossa união apavora seus patrões. E a eficiência é tanta que mesmo entre os que se dizem revolucionários se vêem esses padrões de comportamentos e valores. Passar da competição à cooperação é um degrau da evolução humana.
Dizem que felicidade é consumir, é desfrutar e usufruir de luxo e fartura. Mentira. O mais próximo de felicidade que temos é gostar e ser gostado, é abraçar e ser abraçado, é se sentir útil à colectividade, é beneficiar os demais e confraternizar com todos, aprender e ensinar, ajudar e ser ajudado. A media nos induz ao consumo egoísta, ao isolamento, condiciona o valor de ser humano à posse, ao poder económico, ao nível de consumo, e as pessoas se sentem inferiorizadas ou superiorizadas, conforme esses padrões, se envergonham ou se orgulham por esses factores externos. Induções. Os valores reais são abstractos, estão no ser, não no ter.
É o consentimento geral o que sustenta essa estrutura. A crença nas mentiras plantadas. Acreditamos e reforçamos as correntes da nossa própria escravidão. Cada um de nós consente, em maior ou menor grau, esse estado de coisas. Cada um de nós pode começar o trabalho em si mesmo, que vai encontrar o que fazer, se for sincero consigo e tiver humildade para encarar as próprias falhas e condicionamentos. De dentro de si é que o trabalho de mudança externa ganha força, na profundidade das raízes, da sinceridade do sentimento. Pois é do trabalho interno que emanará a força avassaladora de uma verdadeira revolução. Cada revolucionário precisa começar o seu trabalho em si mesmo. Ou será mais um desses superficiais e arrogantes, intolerante e conflituoso, pronto a usar os recursos convencionais dessa estrutura doente, ou apenas reforçará a imagem do revolucionário chato, incómodo e indesejável.
Ninguém pode se dizer isento de induções inconscientes. Desde pequenos recebemos cargas maciças de publicidade – televisão, rádio, outdoors, folhetos, jornais, revistas, nos autocarros, trens, barcas, metros, nos telefones, em cartazes pela rua, na repetição dos refrões das propagandas. E dali não vêm apenas produtos e desejos de consumos. Embutidos, estão valores sociais e pessoais, objectivos de vida e esperanças, criminosas mentiras detalhadamente preparadas pelas empresas (publicitários e até psicólogos, sociólogos, pedagogos e advogados) e implantados pela media.
Cabe a nós destruir essas correntes, desacreditando-as dentro de nós mesmos e, a partir daí, contagiar à nossa volta, até onde pudermos alcançar. Nós, os que enxergam as correntes, os que não acompanham o gado e não se deixam enganar tanto, os que nos debatemos contra as pressões e lutamos por uma sociedade menos injusta, menos perversa e menos suicida. E mais humana, mais solidária, mais cuidadosa e sincera com todos os seus membros. Enfim, uma sociedade livre das garras de elites, ao serviço de todos.

 Eduardo Marinho   
 http://www.observareabsorver.blogspot.com/
 e
 http://www.oarquivo.com.br/ 

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Precisamos de muita e muita Coragem


por Leonardo Boff

Em 14 de setembro último, celebrou 90 anos de idade uma das figuras religiosas brasileiras mais importantes do século XX: o Cardeal Paulo Evaristo Arns. Voltando da Sorbonne, foi meu professor quando ainda andava de calça curta em Agudos-SP e depois, em Petrópolis-RJ, já frade, como professor de Liturgia e da teologia dos Padres da Igreja antiga. Obrigava-nos a lê-los nas linguas originais em grego e latim, o que me infundiu um amor entranhado pelos clássicos do pensamento cristão. Depois foi eleito bispo auxiliar de São Paulo. Para protegê-lo porque defendia os direitos humanos e denunciava, sob risco de vida, as torturas a prisioneiros políticos nas masmorras dos órgãos de repressão, o Papa Paulo VI o fez Cardeal.
Embora profético mas manso como um São Francisco, sempre manteve a dimensão de esperança mesmo no meio da noite de chumbo da ditadura militar. Todos os que o encontravam podiam, infalivelmente, ouvir como eu ouvi, esta palavra forte e firme: “coragem, em frente, de esperança em esperança”.
Coragem, eis uma virtude urgente para os dias de hoje. Gosto de buscar na sabedoria dos povos originários o sentido mais profundo dos valores humanos. Assim que na reunião da Carta da Terra em Haia em 29 de junho de 2010, onde atuava ativamente sempre junto com Mercedes Sosa enquanto esta ainda vivia, perguntei à Pauline Tangiora, anciã da tribo Maori da Nova Zelândia qual era para ela a virtude mais importante. Para minha surpresa ela disse:”é a coragem”. Eu lhe perguntei: “por que, exatamente, a coragem?” Respondeu:
”Nós precisamos de coragem para nos levantar em favor do direito, onde reina a injustiça. Sem a coragem você não pode galgar nenhuma montanha; sem coragem nunca poderá chegar ao fundo de sua alma. Para enfrentar o sofrimento você precisa de coragem; só com coragem você pode estender a mão ao caído e levantá-lo. Precisamos de coragem para gerar filhos e filhas para este mundo. Para encontrar a coragem necessária precisamos nos ligar ao Criador. É Ele que suscita em nós coragem em favor da justiça”.
Pois é essa coragem que o Cardeal Arns sempre infundiu em todos os que, bravamente, se opunham aos que nos seqüestraram a democracia, prendiam, torturavam e assassinavam em nome do Estado de Segurança Nacional (na verdade, da segurança do Capital).
Eu acrescentaria: hoje precisamos de coragem para denunciar as ilusões do sistema neoliberal, cujas teses foram rigorosamente refutadas pelos fatos; coragem para reconhecer que não vamos ao encontro do aquecimento global mas que já estamos dentro dele; coragem para mostrar os nexos causais entre os inegáveis eventos extremos, conseqüências deste aquecimento; coragem para revelar que Gaia está buscando o equilíbrio perdido que pode implicar a eliminação de milhares de espécies e, se não cuidarmos, de nossa própria; coragem para acusar a irresponsabilidade dos tomadores de decisões que continuam ainda com o sonho vão e perigoso de continuar a crescer e a crescer, extraindo da Terra, bens e serviços que ela já não pode mais repor e por isso se debilita dia a dia; coragem para reconhecer que a recusa de mudar de paradigma de relação para com a Terra e de modo de produção pode nos levar, irrefreavelmente, a um caminho sem retorno e destarte comprometer perigosamente nossa civilização; coragem para fazer a opção pelos pobres contra sua pobreza e em favor da vida e da justiça, como o fazem a Igreja da libertação e Dom Paulo Evaristo Arns.
Precisamos de coragem para sustentar que a civilização ocidental está em declínio fatal, sem capacidade de oferecer uma alternativa para o processo de mundialização; coragem para reconhecer a ilusão das estratégias do Vaticano para resgatar a visibilidade perdida da Igreja e as falácias das igrejas mediáticas que rebaixam a mensagem de Jesus a um sedativo barato para alienar as consciências da realidade dos pobres, num processo vergonhoso de infantilização dos fiéis; coragem para sentar na cadeira de Galeleo Galilei para defender a libertação e a dignidade dos pobres; coragem para anunciar que uma humanidade que chegou a perceber Deus no universo, portadora de consciência e de responsabilidade, pode ainda resgatar a vitalidade da Mãe Terra e salvar o nosso ensaio civilizatório; coragem para afirmar que, tirando e somando tudo, a vida tem mais futuro que a morte e que um pequeno raio de luz é mais potente que todos as trevas de uma noite escura.
Para anunciar e denunciar tudo isso, como fazia o Cardeal Arns e a indígena maori Pauline Tangiori, precisamos de coragem e de muita coragem.

O Brasil diante da crise econômica mundial



Texto publicado na coluna “Recado do Líder” no site da Liderança do PT na Câmara (www.ptnacamara.org.br)

Como era de se esperar, o pronunciamento da presidenta Dilma Rousseff, na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, dia 21 de setembro último, em Nova York, obteve grande repercussão. Essa repercussão não decorre de nenhum “tour de force” retórico ou da boa vontade de quem quer que seja. Ela é fruto natural da autoridade do Brasil no cenário internacional, construída nos últimos nove anos, diante de um mundo que volta a lidar com uma crise econômica severa.
Consciente de suas altas responsabilidades perante o Brasil e a comunidade internacional, a presidenta Dilma Roussef subiu à tribuna da ONU para realçar o papel da mulher no mundo contemporâneo e para clamar pela ampliação destes direitos, condição imprescindível para que as sociedades sejam mais equilibradas, mais pacíficas e mais felizes.
Ela esteve lá também para lembrar que a superação da crise econômica só será alcançada pelo esforço de diferentes e numerosas nações e que, portanto, a guerra cambial, que consiste na subvalorização de suas moedas, por parte dos Estados Unidos e da China, é uma das formas do protecionismo e está longe de ser uma solução para os problemas da economia mundial. A presidenta também assinalou que o arrocho fiscal não é um método para se enfrentar uma recessão.
Dilma Roussef ressaltou que a atual estrutura de poder na ONU está vencida, reflete uma correlação de forças pretérita, datada dos fins da Segunda Guerra Mundial. Essa estrutura exclui, do Conselho de Segurança da ONU, continentes inteiros, como a América Latina e a África, e mantém uma exclusão obsoleta de países tão importantes como a Alemanha, Japão e Índia. Precisa, portanto, ser reformada.
Ela reafirmou a candidatura do Brasil a uma vaga permanente no Conselho de Segurança, lembrando nossas tradições de paz, um histórico de 140 anos sem conflitos com vizinhos, nossa contribuição para a manutenção da paz no Haiti e em outras partes do mundo. Salientou também que nosso continente é uma zona livre de armas nucleares, que nossa renúncia às armas nucleares está consagrada em nossa Constituição e fez um apelo em favor do desarmamento nuclear global.
Ao observar que em nosso país judeus e árabes vivem em paz, a presidenta da República reafirmou o apoio do Brasil ao reconhecimento do Estado palestino nas fronteiras de 1967. Ela sublinhou que Israel tem direito a fronteiras seguras frisando que a concretização desse direito passa pelo reconhecimento do Estado palestino.
A presidenta saudou também a primavera dos povos árabes, o grande movimento popular por liberdade e democracia que vem se desenvolvendo naquela parte do mundo, mas deixou claro, numa referência à Líbia, que a conquista da democracia deve ser obra do próprio povo e não fruto de intervenções estrangeiras.
Finalizando seu discurso, a Presidenta recorreu a sua condição de militante política contra ditadura, presa e torturada pelo regime, para reafirmar seu compromisso com os direitos humanos, com as liberdades públicas e com a democracia. Mas ela deixou claro que a defesa dos direitos humanos não deve ser seletiva, deve ser universal. Para Dilma Rousseff todas as violações de direitos humanos devem ser condenadas, independentemente da latitude onde elas ocorram. Uma crítica clara à hipocrisia dos chamados países desenvolvidos em temas como o de direitos humanos.
Na próxima semana, está prevista reunião de Dilma Rousseff com a cúpula da União Europeia, em Bruxelas. É o Brasil prosseguindo em seus esforços para encontrar formas para superar a crise internacional. Vale, no entanto registrar, que o mundo anda tão alterado que tem articulista da imprensa brasileira mais sectária que não hesita em afirmar: “Presidenta viaja a Bruxelas no momento em que o outro lado é que sente o ‘complexo de vira-lata”.
Evidentemente, a presidente Dilma Roussef não aprova a arrogância do articulista acima referido, mas é certo que ela e a diplomacia brasileira estarão em Bruxelas para um diálogo entre iguais. Vai longe o tempo em que a diplomacia brasileira se submetia a tirar os sapatos para desembarcar em determinados aeroportos, ou que até o presidente da República levava bronca em público de um chefe de estado estrangeiro.
Plenamente sintonizada com a agenda de nosso tempo, Dilma tem indicado o caminho que deve ser pavimentado para que tenhamos um mundo próspero, pacífico e com sustentabilidade.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

A invisibilidade dos “ indignados”




Gilson Caroni *


O jogo é repleto de velhos subterfúgios. A grande imprensa, na tentativa de desconstruir o legado do governo Lula, organiza o movimento, mas não pode revelar o sujeito do enunciado. As últimas manifestações contra a corrupção, urdidas nas oficinas do Instituto Millenium, não evidenciam apenas o vazio de uma oposição sem projeto. Vão além. Seus verdadeiros objetivos são por demais ambiciosos para serem expostos à luz do dia. Na verdade, o que se tem em mente é o combate às políticas de redistribuição de renda e os diversos programas de inclusão social levados a cabo nos últimos nove anos de governo petista.


Para tanto, as redações interagem com os “indignados" das redes sociais, apresentados como  protagonistas de uma nova esfera pública singular. Sem organicidade, enraizamento e ojeriza a qualquer coisa que coisa que remeta a práticas políticas transformadoras, os “movimentos espontâneos" são a imagem espelhada de tantos setores que endossam a verdadeira corrupção a ser combatida: aquela que promove a concentração de renda, de terras e a exclusão social, além de assegurar os privilégios das corporações midiáticas.


Mais uma vez, é preciso voltar no tempo para apreender a dinâmica do ocultamento das taxonomias, pressuposto básico para a eficácia do poder simbólico, da capacidade, cada vez mais limitada, de formatar antigas agendas.


Terça-feira, 20 de março de 2007. Mais uma vez, "empenhado" em repor a verdade factual de episódio recente da política brasileira, Ali Kamel, diretor-executivo de jornalismo da TV Globo, voltava à página de "Opinião" do jornal da família Marinho. Desta vez escreveu um artigo que tinha por título "Collor". Como de hábito, uma redação formalmente correta, escorreita e elegante. Como sempre, uma petição de meias verdades. Algo como um Legacy com problemas no mapa aeronáutico e no painel dotranponder. Se a história tomasse a forma de um Boeing, uma colisão inevitável teria que desaparecer do noticiário do Jornal Nacional.
Dizendo-se chocado com a "reação do Senado ao discurso de estréia de Fernando Collor" na quinta-feira (15/3), o jornalista abria o artigo manifestando indignação com a forma como o ex-presidente classificou seu impeachment: "Uma litania de abusos e preconceitos, uma sucessão de ultrajes e acúmulo de violações das mais comezinhas normas legais".
Para Kamel, a passividade dos senadores deu margem a uma perigosa releitura da história. Segundo ele, o que Collor queria caracterizar como momento de arbítrio, foi, na verdade, "um exemplo pleno do funcionamento de nossa democracia". Até aqui não havia o que objetar ao texto do segundo cargo de maior importância na hierarquia da Central Globo de Jornalismo. Os problemas começavam quando, após relato detalhado do funcionamento da CPI e do julgamento de Collor pelo STF, Kamel explicitava o que o levou a escrever o artigo: "A preocupação com os jovens, que não conhecem essa história". Se a motivação fosse sincera, deveria, então, contar o processo histórico inteiro, não se atendo apenas a seus momentos finais.
Teria que recordar que o ex-presidente foi uma aposta de Roberto Marinho para dar início à desconstrução do Estado, conforme solicitava o receituário neoliberal. O criador do maior conglomerado de mídia e entretenimento do Brasil não hesitou em jogar sujo para assegurar a vitória do "caçador de marajás" em 1989.
A apresentação do debate de Fernando Collor e Luiz Inácio Lula da Silva, às vésperas do segundo turno da eleição presidencial de 1989, é um exemplo dos métodos empregados por Roberto Marinho quando resolvia intervir na política. Em matéria para o Estado de S.Paulo (8/8/2003), José Maria Mayrink revela que...
"...Roberto Marinho não gostou da edição que a Rede Globo fez no noticiário da tarde e determinou que o diretor de jornalismo, Alberico Souza Cruz, reeditasse o material. Seu argumento era que estava parecendo que Lula ganhara o debate quando, de fato, o vencedor havia sido Collor. O episódio provocou uma crise interna na emissora e levou o candidato do PT a dizer que perdeu a eleição por causa da TV Globo".
Em sua dissertação de mestrado, "Marajás e Caras-Pintadas: a memória do governo Collor nas páginas de O Globo", o professor e jornalista Luis Felipe Oliveira mostra como a mídia construiu representações identitárias que marcaram o período Collor, da ascensão ao impeachment. Da necessidade de apresentar, acatando a agenda do neoliberalismo ascendente, o serviço público como algo oneroso, inoperante e injusto, nasceu a funcionalidade do "marajá". Um construto tão eficaz quanto simplificadora.
Para os fins deste artigo, é interessante reproduzir como a Globo afirma suas representações negando o princípio do contraditório. Segundo Luis Felipe...
"...no esforço de representar o marajá, foi preciso evitar que as pessoas identificadas como tal pudessem apresentar ao leitor a sua versão. Nas poucas oportunidades em que permitiu aos acusados o direito de se manifestar, O Globo selecionou e redigiu de tal forma as informações que elas acabavam por corroborar as denúncias das quais os servidores estariam se defendendo. Recursos como este não foram usados apenas com os supostos marajás. Os governadores que não aderiram à caça também eram apresentados nas matérias de O Globo de tal maneira que suas intervenções não faziam efeito".
O protagonismo da Globo na consolidação da imagem de Collor junto a parcela expressiva do eleitorado foi inegável. Marinho nunca ocultou que escondeu suas cartas. Foi enfático quando declarou à imprensa que "até as acusações, o Collor era para mim motivo de orgulho" (Estado de S.Paulo, 12/9/1992).
Deixemos claro que entre a Globo e Collor não houve relação de causalidade. Um precisava do outro para atingir seus fins. Era um típico caso de afinidade eletiva, formatado do princípio ao fim.
Convém lembrar que as Organizações Globo só abriram espaços para as manifestações públicas quando a sustentabilidade de Collor se tornou inviável. Em momento algum houve inflexão ética. Imolaram um personagem para manter intacto o projeto. Na mobilização pelo impeachment, a conhecida antecipação histórica de Roberto Marinho se fez presente. Os caras-pintadas eram o retorno do movimento estudantil como farsa. A ação política teatralizada neutralizava qualquer possibilidade contra-hegemônica. O espetáculo sobrepujava as contradições históricas. A TV Globo aparecia como vanguarda de um processo que, inicialmente, buscou esvaziar.
Já era possível antever, em meados de 1992, que o saldo final do movimento seria favorável às forças conservadoras. O clamor pela ética, quando acompanhado de vazio político, sempre produz umvaudeville burguês. A edição do Jornal Nacional de 2/10/1992, dia do impeachment, foi o modelo acabado da informação espetacularizada. Mostrou multidões concentradas em diversas capitais e terminou ao som de Alegria, Alegria, de Caetano Veloso.
Ainda que reposta parcialmente, a história da Globo e seu candidato talvez explique melhor porque, segundo Kamel, "este é um país em que o decoro pode ser quebrado sem infringir o Código Penal". Sem meias verdades, encontraremos as digitais do império de Roberto Marinho no que há de mais indecoroso no Brasil. Quem sabe, até o próprio DNA do monopólio informativo.
E que nenhum leitor pense que, passados 18 anos, a Globo atualizou seus métodos. Continua fiel seguidora da velha sentença de Nélson Rodrigues: "Se as versões contrariam os fatos, pior para os fatos."  Nos critérios de noticiabilidade da emissora não há lugar para fiascos.
Pior para os gatos-pingados que, no vazio de suas palavras de ordem, perdidos no centro do Rio de Janeiro, ficaram no limbo das editorias que tanto apostaram no êxito das articulações. Os caras-pintadas de 20 de setembro de 2011 conheceram a invisibilidade do próprio fracasso.Foi patético, mas de um didatismo exemplar

O Goldman Sachs controla o mundo… Vou confessar… sonho com nova recessão… para ganhar muito dinheiro



Da BBC:
“Sonho com esse momento (de declínio econômico) há três anos. Vou confessar: sonho diariamente com uma nova recessão. Se você tem o plano certo, pode fazer muito dinheiro com isso”, declarou operador de mercado financeiro Alessio Rastani, em entrevista à BBC na última segunda-feira.
Questionado a respeito de o que faria o mercado confiar nos planos orquestrados para salvar economias em perigo, como a da Grécia, Rastani disse que, como operador, não se importa.
“Não ligamos muito para como vão consertar a economia. Nosso trabalho é ganhar dinheiro com isso”, afirmou.
“Os governos não controlam o mundo. O (banco) Goldman Sachs controla o mundo. O Goldman Sachs não liga para esse resgate, nem os grandes fundos.”
A entrevista, ainda que revele apenas a opinião individual de um operador, mostra que nem sempre o funcionamento dos mercados financeiros está em sintonia com o crescimento econômico.
Segundo Rastani, os grandes fundos e investidores não acreditam nas novas propostas – as quais, segundo informações preliminares, preveem a injeção de recursos em um fundo europeu de resgate e um possível calote parcial da Grécia – e estão tirando seu dinheiro da economia do euro e investindo-o em ativos mais seguros, como dólar e títulos de Tesouro.
Na opinião do operador, “qualquer um pode fazer dinheiro” com a crise, agindo no mercado de hedge e investindo em títulos de Tesouro.
‘Governados pelo medo’
“Estou confiante que esse plano não vai funcionar, independentemente de quanto dinheiro (os governos) puserem. O euro vai desabar”, afirmou ele. “Os mercados estão sendo governados pelo medo.”
A âncora da BBC Martine Croxall disse que todos no estúdio estavam surpresos com as declarações. “Agradecemos sua sinceridade, mas (a atitude dos mercados) não nos ajuda muito, não?”
Rastani respondeu: “Essa crise é como um câncer. Se esperarmos, vai ser tarde demais. O que digo para as pessoas é: preparem-se. Não pensem que o governo vai consertar. Quero ajudar as pessoas, elas precisam aprender a fazer dinheiro com isso. Primeiro, protegendo seus ativos. Em menos de 12 meses, ativos de milhões de pessoas vão desaparecer”.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Cuidar do luto e das perdas




por Leonardo Boff
Pertencem, inexoravelmente, à condição humana, as perdas e o luto. Todos somos submetidos à férrea lei da entropia: tudo vai lentamente se desgastando; o corpo enfraquece, os anos deixam marcas, as doenças vão nos tirando irrefreavelmente nosso capital vital. Essa é a lei da vida que inclui a morte.
Mas há também rupturas que quebram esse fluir natural. São as perdas que significam eventos traumáticos como a traição do amigo, a perda do emprego, a perda da pessoa amada pelo divórcio ou pela morte repentina. Surge a tragédia, também parte da vida.
Representa grande desafio pessoal trabalhar as perdas e alimentar a resiliência, vale dizer, o aprendizado com os choques existenciais e com as crises. Especialmente dolorosa é a vivência do luto, pois mostra todo o peso do Negativo. O luto, possui uma exigência intrínseca: ele cobra ser sofrido, atravessado e, por fim, superado positivamente.
Há muitos estudos especializados sobre o luto. Segundo o famoso casal alemão Kübler-Ross há vários passos de sua vivência e superação.
O primeiro é a recusa: face ao fato paralisante, a pessoa, naturalmente, exclama:”não pode ser”; “ é mentira”. Irrompe o choro desconsolado que palavra nenhuma pode sustar.
O segundo passo é a raiva que se expressa:“por que exatamente comigo? Não é justo o que ocorreu”. É o momento em que a pessoa percebe os limites incontroláveis da vida e reluta em reconhecê-los. Não raro, ela se culpa pela perda, por não ter feito o que devia ou deixado de fazer.
O terceiro passo se caracteriza pela depressão e pelo vazio existencial. Fechamo-nos em nosso próprio casulo e nos apiedamos de nós mesmos. Resistimos a nos refazer. Aqui todo abraço caloroso e toda palavra de consolação, mesmo soando convencional, ganha um sentido insuspeitado. É o anseio da alma de ouvir que há sentido e que as estrelas-guias apenas se obscureceram e não desapareceram.
O quarto é o autofortalecimento mediante uma espécie de negociação com a dor da perda: “não posso sucumbir nem afundar totalmente; preciso aguentar esta dilaceração, garantir meu trabalho e cuidar de minha família”. Um ponto de luz se anuncia no meio da noite escura.
O quinto se apresenta como uma aceitação resignada e serena do fato incontornável. Acabamos por incorporar na trajetória de nossa existência essa ferida que deixa cicatrizes. Ninguém sai do luto como entrou. A pessoa amadurece forçosamente e se dá conta de que toda perda não precisa ser total; ela traz sempre algum ganho existencial.
O luto significa uma travessia dolorosa. Por isso precisa ser cuidado. Permito-me um exemplo autobiográfico que aclara melhor a necessidade de cuidar do luto. Em 1981 perdi uma irmã com a qual tinha especial afinidade. Era a última das irmãs de 11 irmãos. Como professora, por volta das 10 horas, diante dos alunos, deu um imenso brado e caiu morta. Misteriosamente, aos 33 anos, rompera-se-lhe a aorta.
Todos da família vindos de várias partes do pais, ficamos desorientados pelo choque fatal. Choramos copiosas lágrimas. Passamos dois dias vendo fotos e recordando, pesarosos, fatos engraçados da vida da irmãzinha querida. Eles puderam cuidar do luto e da perda. Eu tive que partir logo após para o Chile, onde tinha palestras para frades de todo o Cone Sul. Fui com o coração partido. Cada palestra era um exercício de auto-superação. Do Chile emendei para a Itália onde tinha palestras de renovação da vida religiosa para toda uma congregação.
A perda da irmã querida me atormentava como um absurdo insuportável. Comecei a desmaiar duas a três vezes ao dia sem uma razão física manifesta. Tive que ser levado ao médico. Contei-lhe o drama que estava passando. Ele logo intuiu e disse: “você não enterrou ainda sua irmã nem guardou o luto necessário; enquanto não a sepultar e cuidar de seu luto, você não melhorará; algo de você morreu com ela e precisa ser ressuscitado”. Cancelei todos os demais programas. No silêncio e na oração cuidei do luto. Na volta, num restaurante, enquanto lembrávamos a irmã querida meu irmão também teólogo, Clodovis, e eu escrevemos num guardanapo de papel o que colocamos no santinho de sua memória:
“Foram trinta e três anos, como os anos da idade de Jesus/Anos de muito trabalho e sofrimento/Mas também de muito fruto/Ela carregava a dor dos outros/Em seu próprio coração, como resgate/Era límpida como a fonte da montanha/Amável e terna como a flor do campo/Teceu, ponto por ponto, e no silêncio/Um brocado precioso/Deixou dois pequenos, robustos e belos/E um marido, cheio de orgulho dela/Feliz você, Cláudia, pois o Senhor voltando/Te encontrou de pé, no trabalho/Lâmpada acesa/Foi então que caiste em seu regaço/Para o abraço infinito da Paz”.
Entre seus papéis encontramos a frase:”Há sempre um sentido de Deus em todos os eventos humanos: importa descobri-lo”. Até hoje estamos procurando esse sentido que somente na fé o suspeitamos.

Pobres bancos e banqueiros!



Publicado em 27-Set-2011

Estamos todos solidários! Onde já se viu, eles com lucros tão baixos e com tantas dificuldades, num mundo tão difícil, e os bancários pedindo um aumento de 12,8% frente à proposta de 8% que eles ofereceram!

Sem contar que levantamento da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (CONTRAF-CUT) descobriu que os bônus dos executivos de bancos é só 400 vezes maior que a participação nos lucros e resultados (PLR) básica de um bancário!

Bancos e banqueiros, coitados, vão perder dinheiro com a greve nacional por tempo indeterminado decretada pelos bancários - confirmada em assembléias da categoria ontem à noite - e deflagrada desde zero horas dessa 3ª feira.

Perder dinheiro é coisa que a banca e os banqueiros não admitem nunca!

É traumático para eles! É por isso que derramam essas lágrimas de crocodilo. Estão escandalizados com esses bancários que querem aumentos acima da inflação de 6,5%.

Daí a representante da banca nas negociações salariais com os bancários, a Federação Nacional dos Bancos (FENABAN) emitir nota em que classifica a greve que se iniciou hoje como  "fora de propósito" e destaca, com orgulho, sua última proposta oferecida à categoria, de reajuste de 8% - que, feitas as contas, representa apenas 0,56% de aumento real.

A FENABAN não entende como a proposta, feita através de sua parceira nas negociações, a Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN) em reunião com bancários na última 6ª feira foi rejeitada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (CONTRAF-CUT). FENABAN/FEBRABAN afirmam que o atendimento à reivindicação de 12,8% dos bancários é "inviável"

Greve premeditada, precipitada, acusam os pobres banqueiros


O porta-voz da banca, Magnus Apostólico, diretor de relações do trabalho da FEBRABAN, acusa os sindicatos de trabalhadores de marcarem a greve precipitadamente em meio às negociações. "Na última 6ª feira pedimos que marcassem outra reunião e eles resolveram ir para a greve. Parece que o objetivo é greve, e não negociação", queixa-se.

Apostólico vai por aí: a paralisação foi premeditada, nem contraproposta os bancários apresentaram... Lapso de memória do Apostólico representante dos banqueiros, lembra o presidente da CONTRAF-CUT, Carlos Cordeiro.

Cordeiro lembra a apostólico que as negociações se arrastavam e que a reunião de 6ª feira foi já a quinta sem avanços na rodada de conversações desse ano. E prova porque o aumento real de 0,56% proposto pela banca é insuficiente. E refresca a memória de Apostólico observando que o lucro dos seis maiores bancos do País nos últimos dois anos subiu, em média, cerca de 20%.

"E os bônus dos executivos de bancos na maioria deles é 400 vezes maior que a participação nos lucros e resultados (PLR) básica de um bancário", argumenta o dirigente da CONTRAF-CUT. De acordo com Cordeiro, no ano passado a categoria conseguiu 3,08% de aumento real, valor bem superior ao oferecido até agora para 2011.

O Lado Negro do Chocolate / The Dark Side of Chocolate


Será que o chocolate que consumimos é produzido com o uso de trabalho infantil e tráfico de crianças? O premiado jornalista dinamarquês, Miki Mistrati, decidiu investigar os boatos. Sua busca atrás de respostas o levou até ao  Mali, na África Ocidental, onde com câmaras ocultas se revelou o tráfico de crianças para as plantações de cacau da vizinha Costa do Marfim. A Costa do Marfim é o maior produtor de cacau, respondendo por cerca de 40% da produção mundial. Empresas como a Nestlé, Barry Callebaut e Mars assinaram em 2001 o Protocolo do Cacau, comprometendo-se a erradicar totalmente o trabalho infantil no sector até 2008. Será que o seu chocolate tem um gosto amargo? Vamos acompanhar Miki até  África para expor "O Lado Negro do Chocolate".



segunda-feira, 26 de setembro de 2011

A Era do Aquário e a Era dos Peixes (na rede)


Fonte: maureliomello.blogspot.com





A chegada de novos meios é um elemento progressista para a sociedade. Aprofunda a democracia, a entrega da informação e faz com que as pessoas possam se informar melhor, decidir melhor, controlar melhor seus destinos.


Estamos vivendo hoje em dia uma revolução extraordinária na comunicação e não temos ainda a dimensão do que ela é. Todos sentimos que está mudando rapidamente, que atores que falavam sozinhos não falam mais sozinhos. Atores que não falavam começam a falar. As coisas estão em ebulição. Estamos no meio de um caldeirão e ninguém sabe exatamente para onde vamos. É essa reflexão que eu queria fazer. Sem pretensão de dizer para onde vai exatamente, mas colocar algumas questões que julgo extremamente importantes.
Não acredito que a imprensa vai acabar. Cada vez que entrou um meio novo, uma mídia nova no mundo da comunicação ela provocou grandes mudanças. Quando chegou o rádio, muita gente achava que os jornais iam acabar. Porque era mais barato, de graça, chegava diretamente e mais rápido. No, entanto não acabou. Quando chegou a televisão muita gente achou que o radio e o jornal acabariam. A televisão, além de tudo, veicula imagem, é mais completa. Quando chegou a internet mais ou menos o mesmo fenômeno se repete, ou seja, muita gente diz o seguinte: jornais, rádios e televisão estão à caminho do cemitério.
Eu não compartilho dessa visão. A experiência mostra que, toda vez que chegou um meio novo, uma nova mídia, ao invés de liquidar o meio que havia antes, ela ampliou o mundo da comunicação e forçou uma reacomodação. Quando o rádio chegou, os jornais não deixaram de existir. O rádio atraiu pessoas que não estavam antes no mundo da comunicação. E muitos dos que começaram a ouvir rádio logo estavam lendo jornal. A televisão tampouco liquidou com quem ouvia rádio e lia jornal. Ela ampliou o mundo da comunicação. Um jornalista americano, não me lembro o nome, diz o seguinte: é como se fosse uma selva e chega uma fera nova. Ela não acaba com as outras, mas força uma nova reacomodação. Aquele ambiente que está ali vai ter que absorver uma coisa nova, e há uma nova reacomodação.
A experiência nos mostra isso, que as novas mídias jogam um papel de ampliação, de democratização, porque atraem mais gente para o mundo da comunicação, para o mundo da informação, para o mundo do entretenimento, para o mundo dos serviços. Elas socializam mais, fazem as pessoas terem uma participação maior na cidadania. A entrada de novos meios é um elemento progressista, porque amplia, democratiza. Foi assim com o rádio, foi assim com a televisão e está sendo assim de uma forma espetacular com a internet. O novo meio não é o exterminador que vem para acabar com os outros. Ele é um estimulador, que chega para lançar novos desafios para todo mundo e para ampliar o mundo da comunicação. Por isso, no geral, a chegada de novos meios é um elemento progressista para a sociedade. Aprofunda a democracia, a entrega da informação e ela faz com que as pessoas possam se informar melhor, decidir melhor, controlar melhor seus destinos.
Tendo dito isso, estamos vivendo uma revolução sem precedentes na indústria da comunicação porque a internet não é um meio como todos os outros. Ela altera as bases sobre as quais estão organizados os sistemas de comunicação. Vou destacar três aspectos que eu julgo mais relevantes dentro desse processo e depois faço as considerações finais.


Era do aquário
O primeiro aspecto que queria destacar é que a internet não é apenas um novo meio que chega e, portanto, força uma nova ampliação e uma reacomodação. Ela vai além disso porque atinge a essência da concepção de comunicação vigente nos últimos séculos. Desde Gutemberg, é a maior revolução que estamos vivendo na imprensa e não sabemos aonde ela vai acabar. É a maior revolução justamente porque atinge o cerne do modelo sobre o qual se assentou a comunicação nos últimos séculos, ou seja, desde o século XVIII nos EUA e na Europa e desde o século XIX no Brasil. E em que consiste esse modelo? Consiste no seguinte: existe um grupo ativo de produtores da informação e existe uma massa passiva de consumidores. E a comunicação se dá em um sentindo só, dos produtores ativos para os consumidores passivos. Resumindo, é o seguinte: uns poucos falam, e todos, ou a maioria, ouvem, leem ou veem.
Esse modelo valeu para os jornais, para o rádio e as televisões. Valeu e vale, ou estava valendo até agora. Esse jornalismo eu chamo, de brincadeira, de jornalismo do aquário. Não a Era de Aquário do Hair¹ . É que os jornais são inteiramente controlados pelo aquário. O aquário é o comando da redação. Ele fica geralmente dentro de um aquário, uma sala envidraçada onde se tem a visão do conjunto da redação e a redação inteira vê o poder que está ali. É para ela se lembrar que tem alguém que manda, que comanda que, em última instância, é responsável por tudo. Então existe esse aquário, transparente visualmente e nem um pouco transparente no restante. E que mostra aos jornalistas quem manda na redação.
Esse aquário reina absoluto nas redações. Em momentos de maior efervescência, de maior dinamismo, não é tão absoluto assim, tem uma troca maior. Quem foi jornalista nas décadas de 1980, 1990 sabe o que é uma época de muita efervescência. Vimos um processo de redemocratização. Havia na sociedade uma demanda por um jornalismo bom, digno, correto, dependente dos fatos, ligado à inspiração democrática da sociedade e, de modo geral, os aquários foram sensíveis a isso, fizeram mudanças, conectaram, se sintonizaram com o sentimento democrático existente na sociedade, com aquele momento de abertura, de demanda, de aprofundamento de demanda democrática.
Tem outros momentos em que os aquários disseram: “Não. Vamos fazer o que se espera da gente, que é defender os interesses dos acionistas”. E, muitas vezes, deram capa de jornal para defender determinados interesses. A era do aquário significou mal jornalismo. Mas também bom jornalismo. O editor chefe, o secretário de redação, o editor responsável, aquele núcleo que responde a alguém e que, em alguns momentos, é o núcleo do próprio dono do jornal (nas épocas heróicas do jornalismo), reina absoluto na era do aquário.


Era da rede
Com a chegada da internet, da digitalização e da transmissão de dados esse modelo começa a enfrentar seríssimos problemas. Estamos saindo do jornalismo da era do aquário para o jornalismo da era da rede, que são coisas inteiramente diferentes. O jornalismo da era do aquário é um núcleo ativo com uma massa passiva. Um núcleo que produz informação, uma massa que consome informação. Na era da rede já não é assim. Estabelece, logo de entrada, uma contradição entre o jornalismo feito no sistema da era do aquário com a existência objetiva de uma rede, que convive cada vez mais com esse jornalismo.
Em um primeiro momento, as redações disseram: “Não, a gente precisa dar atenção para a galera que está chegando”. Aumentam o espaço das cartas, publicam comentários, tomam iniciativas que se destinam, de alguma forma, a responder à demanda por interatividade e participação, pelo fato de a rede entrar dentro dos jornais. Mas tentam fazer isso sem perder o controle do aquário, tudo tem que passar por ele e, evidentemente, isso não satisfaz, não responde, não resolve a demanda que existe.
Normalmente o que acontece em todos os lugares do mundo e também no Brasil é que, com o tempo, grupos de leitores formam redes e descobrem que possuem uma visão crítica em relação a isso, que tem pontos em comum, ansiedades, dúvidas, perguntas que não estão sendo respondidas e começam a estabelecer relações. Começam a se formar os blogs, passam a ter blogs mais lidos.
Os blogs funcionam como um elemento organizador, catalisador. Em torno de uma série de blogs vão se formando outros blogs, alguns deles desempenhando o papel de terrenos públicos, de formação de opinião, de debate, de encontro. E começam a fazer um trabalho de crítica dos jornais. Saiu uma notícia no jornal – televisivo, impresso, on-line, etc. – e uma hora depois, na blogosfera, todo mundo está comentando, discutindo se aquilo está correto, se não está, dando uma outra versão, acrescentando informação, muitas vezes qualificando aquela informação. Seja positivamente, agregando informações novas. Ou negativamente, dizendo “não é isso, aqui é diferente, trata-se de outra coisa”.
Para o jornalismo formado pela era do aquário e para os aquários, isso é um deus nos acuda. Porque nós nos acostumamos – eu falo “nós” porque venho dessa geração – a estar no Olimpo, a falar o que queríamos, a dizer o que bem entendíamos e a deixar de dizer o que bem entendíamos. E, de repente, aparece um monte de gente com acesso a canais que influenciam o mesmo público e diz “não, isso não está certo não”. Mesmo que eles estejam errados, entram no jogo. Quem estava fora, entra no jogo.


Compromisso com a sociedade
O modelo do aquário não se sustenta mais porque é obrigado a estar lidando diariamente com alguém que questiona, qualifica a qualidade da informação. Para nós, jornalistas, que temos um ego monumental – e eu não sou exceção – isso é uma coisa terrível, porque você desce do Olimpo e passa a ter que dar satisfações a seus leitores, telespectadores e ouvintes. Os jornalistas só foram treinados para dar satisfação a uma pessoa: o chefe, o acionista, o dono do jornal, o dono da televisão. É para isso que jornalista foi treinado. Os bons jornalistas sabem que é preciso dar satisfação à sociedade. Mas um bom número de jornalistas acha que o importante é a sua carreira, o seu chefe, o seu jornal, os seus colegas e que é preciso apenas conviver com a sociedade, ela não é tão importante assim. Não entenderam a essência da profissão, que a lealdade principal do jornalista é com a sociedade e não com o dono do jornal, o chefe, a carreira, as fontes. Sempre que tiver uma contradição, a opção tem que ser pela sociedade. Assim são os grandes jornalistas, que sabem que o jornalismo é uma missão, é informar a sociedade e que, para isso, é necessário dar satisfação a ela antes de tudo.
O sistema do aquário começa a ser questionado e o jornalista convive muito mal com essa crítica. E convive, isso é curioso. Não sei quem vive mais preocupado com o outro, se é a blogosfera, que vive preocupada com os jornais ou se são os jornais, que vivem preocupados com a blogosfera. Os caras da blogosfera acordam, vão ler os jornais e criticam, e os caras dos jornais, os grandes colunistas estão o tempo todo ali na blogosfera, pelo menos ali em oito, dez blogs porque sabem o seguinte: aquilo ali está fungando no cangote deles. E isso é ótimo, jornalista descer do pedestal, jornalista dever satisfação – mesmo que de uma forma envergada, truncada – à sociedade e não apenas aos acionistas dos jornais e seus prepostos.
Isso fará os jornalistas fazerem um trabalho melhor. E fará aumentar o peso do público no jornalismo. Por que qual é a grande contradição do jornalismo? O jornalismo é um espaço público. Quando não é, ele vai até certo ponto e para. Por exemplo, um jornal do sindicato, vai até o sindicato e para. Um jornal produzido na UnB, vai até certo ponto e para. O jornal da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) vai até certo ponto e para, ele não vai atingir um grande público. Jornalismo, para atingir um grande público, precisa ser um espaço público, onde o público vai achar informação qualificada, independente e honesta, sem grandes manipulações. Ele não chega a falar isso, mas intui: “aqui eu vou ter acesso a um debate público que me qualifica. Plural, democrático, amplo e que me qualifica”; É por isso que as pessoas compram jornal. Ninguém compra jornal para ler opinião do dono. Ou para ler opinião de uma colunista. Você compra jornal para ter acesso a uma informação relevante. Mas, para isso, é preciso que o jornalismo seja independente. Tem que ser independente do governo, mas tem que ser independente da oposição. Tem que ser independente dos sindicatos, mas tem que ser independente das empresas. Tem que ser independente dos grandes grupos econômicos, das grandes corporações. O jornalismo tem que ser independente da opinião dos acionistas. Tem que ser dependente de uma coisa: dos fatos. Jornal existe pra correr atrás de notícia e fazer matéria sobre o que aconteceu, não sobre o que eu queria que acontecesse ou o que eu imagino que possa acontecer e pode ferir esse ou aquele interesse.
Jornal independente, portanto, é o jornal que é dependente dos fatos. Jornalismo no Brasil hoje em dia é absolutamente independente dos fatos. O jornalista escreve o que quer, faz o que quer. Os jornais só se submetem, são mansos. Submetem-se a um determinado tipo de jornalismo que não é dependente dos fatos. Se fizéssemos a resenha dos jornais deste ano, onde será que eles acertaram e onde erraram? O que falaram que se confirmou e o que se falou que era mentira? E aí nós podemos ver como isso acontece.
Lemos um jornal, ouvimos o noticiário de rádio, vemos o noticiário da televisão porque necessitamos de informações e julgamos que são dadas com uma visão pública – mesmo que intermediada com interesses privados. Sabemos que tem os donos de jornais, os acionistas. E isso não tem modelo que resolva. Não é só dizer: “vamos fazer um modelo diferente, o Estado vai mandar” – vai ter o mesmo problema, não adianta. Ou: “vamos fazer alguma coisa, a sociedade civil vai mandar” – que sociedade civil? Quem é a sociedade civil? Não é simples, é uma contradição meio insolúvel.
O jornalismo é um espaço público e é mediado por interesses privados das mais diversas naturezas, O bom jornalismo é onde os interesses privados pesam pouco e a compreensão de que aquilo é um espaço público pesa muito. Nos grandes jornais do mundo, a compreensão de que aquilo é um espaço público é muito forte e os interesses dos acionistas tem um peso secundário. E onde se tem mau jornalismo, os interesses dos acionistas prevalecem sobre o espaço público.


Grilo falante da imprensa
O que esse choque da internet, a saída do jornalismo da era do aquário e a entrada na era da rede, está colocando? Está colocando em pauta esta discussão. Não em termos teóricos, mas em termos práticos, diariamente. Os jornais, revistas, televisões, rádios entregam uma informação à sociedade do mesmo modo que entregavam antes, na era do aquário. Só que agora tem o outro lado dizendo: “não é bem isso, calma, não concordo”. E essa situação incomoda os aquários. Vocês não imaginam o incômodo dos grandes colunistas que falavam sozinhos e hoje em dia falam e imediatamente tem alguém dizendo: “ah, isso aí é blablabla”. Ninguém gosta de ser criticado. É uma pena, porque a gente melhora com a crítica. Todos melhoramos com ela se temos uma atitude positiva. Mas, no geral, não gostamos de ser criticados, gostamos de ser aplaudidos, reconhecidos, de ver o salário crescer.
Costumo dizer que a blogosfera é o grilo falante da imprensa hoje em dia no Brasil. Pinóquio contou uma mentira: “Pinóquio, o seu nariz está crescendo”. Pinóquio manipulou: “Opa, está manipulando, Pinóquio”; Pinóquio fez com que os interesses ideológicos, econômicos, políticos dos acionistas prevalecessem sobre o espaço público e o cara diz: “Qual é Pinóquio, está achando que nos engana?”. Podemos chamar a era da rede de era do Pinóquio. Há um Pinóquio que diz à imprensa: “não é bem assim!”.
Você pode dizer: “ah, isso são uns blogzinhos que dizem alguma coisa” Hoje isso mudou. Vou dar alguns exemplos. Em abril, maio de 2010, o ex-deputado Roberto Jefferson escreveu um artigo na Folha de São Paulo, na página de Opinião, onde dava suas opiniões acerca do governo, evidentemente contrários, dizendo que o Brasil estava no fundo do poço. Opiniões que cabem no pensamento política de Roberto Jefferson. No dia seguinte, teve de vir a público e dizer o seguinte: “Me desculpem, eu fiz um plágio”. O artigo era um plágio de outro artigo, não havia sido escrito por Roberto Jefferson. É claro que normalmente teria sido escrito por um assessor dele, mas também não foi. Alguém leu o artigo e pensou: “já vi isso antes”. Pesquisou no Google e descobriu que o artigo era de outro sujeito e tinha sido publicado três meses antes. Reparem só: a rede, a digitalização de dados deu a todo mundo instrumentos para fazer reportagem. Até um certo ponto, porque reportagem boa não é só o com o Google, ali é um ponto de partida, embora os jornais também estejam se limitando ao Google cada vez mais. O cara apurou. Para o que era necessário, apurou de forma completa: “foi publicado um outro artigo três meses antes com o nome assinado por fulano de tal etc.” Ou seja, em 10, 15 minutos ele já tinha uma resposta a oferecer. Além disso, ele tinha um blog e postou essa informação lá. Alguns leitores também tinham outros blogs, que eram lidos por outros blogueiros, etc. Aquilo rodou e, em 24 horas, o ex-deputado Roberto Jefferson dizia: “estou com um problema” e teve que admitir que houve uma falha, tudo bem isso ocorre, a vida é assim.
Em 24, 28 horas, a blogosfera pôde apurar, identificar um problema, divulgar o problema e aquilo ser lido e determinar uma mudança de comportamento em um ator político. Vou dar um exemplo mais impactante: a bolinha de papel durante a campanha presidencial de 2010. A TV Globo deu uma matéria de sete minutos no Jornal Nacional provando, por a + b, que havia um segundo objeto projetado sobre a cabeça do candidato José Serra, que o havia atingido. No dia seguinte, às sete da manhã, acordo, vou à blogosfera, temos uma matéria, um trabalho feito por um professor de Comunicação de uma universidade do Rio Grande do Sul, que prova que a Globo tinha mentido. E como ele fez isso? Baixou e pôs no computador as imagens que a Globo tinha mostrado, dizendo que aquilo era um segundo objeto atingindo a cabeça do candidato José Serra. Decompôs aquilo quadro a quadro, frame a frame, e não há nenhuma trajetória de nenhum objeto. Aquilo era uma coisa evidente, você via. A perícia foi feita com uma imagem de celular. Mesmo que a imagem não seja boa, que tenha quatro frames por segundo, era uma coisa evidente, por que não exista possibilidade de pular entre um frame e outro. Ou seja, em algum momento, tinha de aparecer a imagem do objeto. Houve o reflexo de uma coisa na testa do candidato e a Globo se confundiu. É claro que aquilo ganhou ares de um trabalho altamente científico quando Ricardo Molina, o eterno perito de áudio e vídeo da TV Globo, hipotecou o seu saber.
Reparem só, um professor do Rio Grande do Sul ficou incomodado, baixou, foi para o computador, apurou e postou na internet. Em menos de doze horas, a matéria da Globo tinha ruído ladeira abaixo. A Globo não voltou ao assunto no Jornal Nacional do dia seguinte. Trabalhei antes na TV Globo, uma empresa fortíssima, um jornalismo competente quando quer ser competente e, do ponto de vista técnico, um jornalismo espetacular, uma emissora que tem alguns dos melhores profissionais de televisão e uns dos melhores profissionais de jornalismo no Brasil. Há dez anos, uma matéria de sete minutos do JN, com peritos em cima qualificando como positiva, como verdadeira a informação, seria definitiva como a bíblia – nunca mais se questionaria. Pois bem, menos de doze horas depois, a Globo já estava recuando. Claro que ela não disse: “errei”. Nós não vamos esperar isso: “cometi aqui uma vilania, interferi no processo eleitoral a favor de um candidato quanto a outros candidatos” – não. Mas estava recuando de fininho, à francesa, saindo do assunto. Nem Zátopek² conseguiria sair tão rápido de um caso como a Globo saiu. Não tinha como segurar.
Eu cito esses dois exemplos para mostrar o seguinte: não se faz mais jornalismo no aquário. E a blogosfera, com todos os problemas, tem uma capacidade enorme de interferência na mídia tradicional. Enquanto grilo falante, a internet hoje cumpre um papel extraordinário. Mas será que a internet vai substituir os jornais? O jornalismo de rádio, de televisão? Porque isso já é outra coisa. A blogosfera vai se transformar em outra coisa além de ser apenas o grilo falante? Vai praticar jornalismo, ou seja, correr atrás das notícias e não fazer apenas a crítica do jornalismo? Ir atrás dos fatos e não apenas qualificar a opinião e as notícias que os outros fazem? Fazer imprensa e não apenas uma meta-imprensa? É um desafio, não está dado o que ela vai fazer.


Redução de custos
Existem pontos positivos que permitem imaginar que isso pode acontecer. E aí eu entro no segundo grande impacto da digitalização e da internet sobre a comunicação: elas produzem uma brutal redução dos custos de produção das empresas de comunicação. Tivemos um processo de concentração avassalador – que nos EUA e Europa aconteceu mais ou menos nas décadas 1950, 1960. Em uma cidade que tinha sete ou oito jornais, agora se tem dois. No Brasil, isso se deu a partir da década de 1970, junto com a ditadura militar. Interessava à ditadura a concentração. Ao mesmo tempo, se empurrava naquela direção porque os custos de produção eram tamanhos, cresciam a tanta velocidade, que os grupos não conseguiam suportar.
Eu sou do Rio de Janeiro, sou carioca, me criei no Rio. Quando me criei, nas décadas de 1950-1960, o Rio de Janeiro tinha vinte jornais mais ou menos. Cada um dirigia-se a um público com uma certa inclinação política, comportamental, etc. Eu vou dar um exemplo: o Última Hora era para o trabalhismo, o Tribuna de Imprensa para os lacerdistas, o Diário de Notícias e o Diário Carioca pros udenistas não lacerdistas, O Globo para os conservadores. Cada jornal se dirigia a um público.
Os jornais vendiam muito em momentos de grande pico. Mas um jornal que vendesse, na época, quarenta mil exemplares, se sustentava perfeitamente, era lucrativo. Os jornais não tinham oito cadernos, trezentas páginas, nada disso. São jornais de dois cadernos, um caderno. Caderno de cultura, caderno B é algo do final de década de 1950, início de 1960. Os jornais tinham, mais ou menos, doze páginas, vinte e quatro estourando. Eram jornais leves e quando você começa a aumentá-los, os custos ficam altíssimos. Então se dá a concentração. Dos vinte e poucos jornais que haviam naquela época, sobreviveram dois ou três no Rio de Janeiro. São Paulo tem, hoje em dia, dois ou três jornais. Tem também os jornais populares, mas aí é uma coisa nova, que vem depois.
Isso não é um fenômeno brasileiro, em todos os lugares do mundo, assistimos a um processo de concentração avassalador. Fruto de quê? Da elevação dos custos de produção. As empresas menores, pequenas e médias, não conseguiram se segurar, quebraram. Foram absorvidas pelas outras, saíram do mercado. A internet e a digitalização promovem uma diminuição brutal dos custos de produção. Vou dar um exemplo: dois terços dos custos de um jornal impresso estão fora da redação. Têm a ver com papel, distribuição e administração. Só um terço está no coração do negócio, que é a redação. E olhe lá. Isso quer dizer que é possível sair do meio do papel e ir para o digital, fazer o mesmo jornal, com a mesma qualidade ou co m a mesma falta de qualidade, por um terço do preço. Isso propicia uma mudança nas bases econômicas do negócio.
Na verdade, estaríamos começando a viver uma época semelhante ao que chamo de os tempos heróicos do jornalismo, onde os jornais se formavam ao redor da personalidade de algum jornalista, jornalistas que fundavam o seu jornal e geralmente continuavam a frente, eram editores-chefes, redatores-chefes, diretores dos jornais, ou seja, os jornais eram mais que corporações, eram um extensão de uma atividade profissional – e, às vezes, política também.
Em determinados blogs brasileiros esse processo está em andamento. Existem blogs de jornalistas influentes, importantes, que eram da imprensa tradicional, que foram às vezes expelidos da imprensa tradicional e que migraram para a internet. Naquele blog, existe algo que não é a apenas um registro, um diário de opinião. Tem começo de reportagens, forma-se uma rede de especialistas que se contrapõem aos especialistas que são sempre os mesmos que vão ser ouvidos pelos grandes jornais.


Jornalismo nos blogs
Quando trabalhava na TV Globo havia um especialista em finanças públicas e orçamento que a redação toda brincava, dizendo que ele já tinha até ticket refeição, porque ele dava entrevista duas vezes por semana, estava sempre disponível para falar o que se esperava dele. E ninguém precisava pedir, ele já sabia o que queriam. E os outros já sabiam o que ele diria. Agora, existem, nos blogs, especialistas que dizem: “não é assim”. Durante o processo eleitoral, alguns blogs publicaram os melhores trabalhos de pesquisa de opinião que eu vi na minha vida. Analistas capazes de detectar tendências, e eu, como alguém que tinha compromisso com a Dilma, lia aquilo, tinha informação, tinha análise, percebia aquilo e dizia “por que esse cara não está em um jornal?” Mas ele já está na internet e já está chegando a todo mundo.
Na blogosfera, estamos na superfície, temos que aprofundar. E para aprofundar é necessário recursos, dinheiro, coisas que permitam bancar a sobrevivência de alguns profissionais durante um determinado tempo para que sejam capazes de fazer uma apuração que não seja algo que já está ali, ir além do que existe. Esse é o grande desafio da blogosfera.
Nos Estados Unidos, esse processo está em um curso mais avançado. Temos alguns blogs, portais, sites de altíssimo nível com efetivo profissional permanente, sessenta a oitenta pessoas, que cumprem funções que os jornais não cumprem mais – até porque são muito pesados. Contrataram jornalistas do New York Times, do Washington Post, com uma cabeça moderna, diferente, mais jornalistas recém-formados. Isso está acontecendo nos Estados Unidos e acho que é inevitável que isso aconteça no Brasil.
Esse processo de barateamento vale para a imprensa escrita, mas também para o rádio, cinema. Todo mundo sabe disso, cinema agora é mais barato. É tão barato que o cara sai para filmar, filma tudo e depois fica louco na edição. Tudo está ficando mais barato. Com o tempo, serão desenvolvidos mecanismos que possam divulgar, disseminar, e a internet está aí para isso.


Modelo de negócios
Existe um processo em curso em que a internet promove essas duas coisas demolidoras. Altera o modelo centralizador, o modelo do aquário, que não depende do consumidor, do telespectador, do leitor – não depende a curto prazo, no longo prazo todos dependem. Segundo, o barateamento dos custos de produção. Existe um terceiro aspecto que os donos de jornal, os acionistas, os executivos falam muito e ele existe, é real, que é o modelo de negócios. Ou seja, como vão conseguir fazer dinheiro. Na medida em que se começa a migrar do papel para o eletrônico, o modelo tradicional de negócios também é posto em cheque. Ele vale para rádio, jornal, televisão. São meios que dependem de uma audiência, é preciso atrair um público que vem atrás de informação e depois se oferece a determinados anunciantes o espaço para que divulgue o seu produto. A venda não cobre um terço da remuneração dos jornais impressos, mais de dois terços disso vem de anúncios.
Esse modelo está em cheque, primeiro porque, na internet, ninguém está acostumado a pagar pela informação. Será que os grupos de comunicação vão entrar em acordo e todo mundo vai passar a cobrar? Não creio. O segundo problema é quanto à publicidade. Não encontraram ainda um modelo de publicidade na internet, ou que você não nota a publicidade ou você nota tanto que se incomoda, que é a publicidade negativa. Isso é um problema grave. Qual é a solução? Tem gente que diz que os jornais vão ser sustentados por pessoas que querem e que pagarão um pouco mais por isso – é bonito, mas eu não acredito nisso. Ou dizem que vai haver mecenas. Isso é complicado, porque em todo jornal que depende de mecenas, o espaço público vai ficar reduzido. Sempre digo o seguinte: o melhor financiador de jornais são os classificados, porque são milhares de pessoas financiando, não só grandes anunciantes. Quem anuncia em classificados não tem poder nenhum sobre o jornal. Já quem, todo dia anunciar em três ou quatro páginas tem um poder extraordinário de diálogo com o departamento comercial e, por extensão, com a redação – nos jornais e nos órgãos de comunicação onde essa separação entre verbo e verba não é bem feita.
Esse não é o principal problema dos jornais, pelo menos no Brasil. O principal problema é perda de credibilidade, pois existe um grilo falante que fala o tempo todo e os jornais dão vários motivos para isso. Os jornais vivem na vitrine. Os jornalistas estavam acostumados a serem estilingues. Jornal estava acostumado a ser estilingue. Não a ser vidraça. Então, ficam incomodados com isso.


Bom jornalismo
Esse processo é muito tumultuado, confuso e complexo, riquíssimo. Vocês não imaginam a inveja que eu tenho de quem vai fazer jornalismo, vai entrar na profissão em um momento de tumulto, de transformação como esse. Pode ser que vocês nem consigam emprego, claro, pode ser que as empresas acabem. Não acho que vai ser assim. Acho que a sociedade precisa de bom jornalismo. E o bom jornalismo não é só crítica ao jornalismo do outro. É correr atrás dos fatos, fazer boas notícias.
Para encerrar, queria falar uma coisa. O bom jornalismo deve ter duas coisas. Uma eu já falei, que é a dependência dos fatos. A segunda é a busca por isenção. Eu vejo muito na blogosfera: “ah esse negócio de isenção não existe, ninguém é isento”. Isento o tempo todo ninguém é. Mas buscar a isenção é uma atitude, é um comportamento. Mesmo que não se consiga ser isento, mesmo que, de alguma forma, se contrabandeie preconceitos, pois nós somos seres humanos, a busca da isenção permite o entendimento de que o jornalismo é uma atividade pública, não é uma atividade privada.
Costumo dizer o seguinte: ninguém pode se feliz o tempo todo, nenhum de nós. E, por isso, renunciamos a busca da felicidade? Não. Continuamos querendo ser felizes, lutamos para sermos felizes. Lutamos para amar quem amamos com todos os problemas. A vida é complicada, a vida é tumultuada, a vida não existe no céu. Mas nem por isso renunciamos a busca da felicidade. Com a isenção é a mesma coisa: não conseguimos ser isentos 24 horas por dia, 365 dias por ano em todas as reportagens, em todas as matérias. Mas se não buscarmos a felicidade, seremos infelizes. Se não buscarmos a isenção, não seremos bons jornalistas. É possível buscar a isenção e é possível ser dependente dos fatos. Já se fez jornalismo assim no Brasil, pode-se voltar a fazer. Basta termos consciência de que a função do jornalista não é pegar o país pelo nariz e puxar de lá para cá, a função do jornalista não é comandar o país. A função de dono de jornal não é dizer para onde o Brasil tem de ir. Quem diz para onde o país tem de ir é o eleitor, que elege, que decide e que cobra depois. Se não foi bem, tira do governo nas próximas eleições. Essa não e a função do jornalismo. A função do jornalismo é ir aos fatos, dar a notícia, buscar isenção, fazer do jornalismo um espaço público, qualificar o debate público com pluralismo, são coisas simples, mas que o jornalismo do Brasil, na era do aquário, tem muita dificuldade de fazer.


Conferência proferida na Faculdade de Comunicação da UnB, em 06/06/2011
Franklin Martins é jornalista, ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social, Presidência da República
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