quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O canarinho grego e a fila do SUS



A sociedade grega vive os estertores de uma longa agonia a caminho de um desfecho sobre o qual ninguém mais tem dúvida: será o calote para redução política de um passivo impagável da ordem de 300 bi de euros. Enquanto não se acumulam forças políticas para um epílogo indissociável de reformas superiores na arquitetura da União Européia, as turquesas ortodoxas continuam a espremer o país. A Grécia representa apenas 2% do PIB da UE. Coube-lhe, porém, condensar as fragilidades de um conjunto do qual pode ser a espoleta devastadora. Como dizem seus economistas, a Grécia é o canarinho da mina: sua morte anuncia a contaminação de toda a estrutura. 

O que importa aqui, portanto, já não é tanto o objeto sacrificado inutilmente, mas a resiliência de uma ideologia que, ademais de minar as bases estratégicas do euro, contamina outras fronteiras do planeta. Inclusive as do Brasil. 

Esta semana, os credores exigiram um novo degrau de asfixia contra o ‘canarinho' grego, sancionado nesta 4ª feira por Atenas. Trinta mil funcionários públicos sofrerão um corte de 60% nos seus salários ingressando num limbo pré-demissional, no qual já estão 150 mil empregos prometidos aos credores. Aposentadorias acima de 1.200 euros
terão corte de 20% e serão congeladas. Há mais a caminho. Se um povo inteiro aceitar a servidão fiscal, a Grécia pagará em 2012 7% do PIB em juros da dívida pública. Estamos falando de uma economia falida, ajoelhada, esmagada. 

Pois bem, o Brasil pagará este ano cerca de 6% do PIB em juros da dívida pública. Em 12 meses até julho essa despesa somou R$ 225 bi, segundo o economista Amir Khair. Ao mesmo tempo, o país se debate num impasse angustiante na área da saúde pública, asfixiada por um rombo orçamentário da ordem de R$ 40 bi. Não há esperança de dignidade no atendimento a mais de 75% da população que depende da fila do SUS com um buraco dessa magnitude. O conservadorismo nativo veta a criação de uma taxa de 0,1% sobre operações financeiras para uso exclusivo -ao contrário do que se fez com a CPMF- na saúde pública. As proporções em jogo são desconcertantes. Mas o veto é seguido de um silêncio constrangedor por boa parte do PT. 

Em seu pronunciamento na ONU, nesta 4ª feira, a presidenta Dilma Rousseff dispensou ao quadro internacional um diagnóstico aplicável ao impasse fiscal na saúde pública brasileira: "Não é por falta de recursos financeiros que ( ...) ainda não encontraram uma solução para a crise. É, permitam-me dizer, por falta de recursos políticos e algumas vezes, de clareza de ideias. Ficam presos na armadilha que não separa interesses partidários daqueles interesses legítimos da sociedade". Tem razão a Presidenta Dilma. O canarinho grego difere do brasileiro, mas ambos sofrem da mesma doença: a ganância rentista.
Postado por Saul Leblon às 17:13

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