terça-feira, 7 de agosto de 2012

O mundo é bárbaro e o que nós temos a ver com isso



Sorte nossa que as árvores mão gemam e os animais não falem. Imagine se cada vez que se aproximasse uma motosserra as árvores começassem a gritar “Ai, ai, ai!” e aos bois não faltassem argumentos razoáveis para não querer entrar no matadouro.

Imagine porcos parlamentando em causa própria, galinhas bem-articuladas reivindicando sua participação na renda dos ovos e gritando slogans contra o hábito bárbaro de comê-las, pássaros engaiolados fazendo discursos inflamados pela liberdade. Os únicos bichos que falam são os papagaios, mas até hoje não se tem notícia de um que defendesse os direitos dos outros. O papagaio tem voz, mas não tem consciência de classe.

A vida humana seria difícil se não pudéssemos colher uma beterraba sem ouvir as lamentações da sua família e insultos do resto da horta. Não deixaríamos de comer, claro. Nem beterrabas, nem bois ou galinhas, apesar dos seus protestos. Mas o remorso, e uma correta noção da prepotência inerente à condição de espécie dominante, faria parte da nossa dieta. Teríamos uma ideia mais exata da nossa crueldade indispensável, sem a qual não viveríamos.

Sorte nossa que os vegetais e os animais não têm nem uma linguagem, quanto mais um discurso organizado. Não os comeríamos com a mesma empáfia se tivessem. O único consolo deles é que também padecemos de falta de comunicação: ainda não encontramos um jeito de negociar com os germes, convencer os vírus a nos pouparem com retórica e dar remorso em epidemias.

Eu às vezes fico pensando em como seria se os brasileiros falassem. Se protestassem contra o que lhes fazem, se fizessem discursos indignados em todas as filas de matadouros, se cobrassem com veemência uma participação em tudo o que produzem para enriquecer outros, reagissem a todas as mentiras que lhes dizem, reclamassem tudo que lhes foi negado e sonegado e se negassem a continuar sendo devorados, rotineiramente, em silêncio.

Não é da sua natureza, eu sei, só estou especulando. Ainda seriam dominados por quem domina a linguagem e, além de tudo, sabe que fala mais alto o que nem boca tem, o dinheiro. Mas pelo menos não os comeriam com a mesma empáfia.

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