quarta-feira, 6 de março de 2013

O Tempo Não Pára, por Cazuza


Estamos vendo a conversa sobre pensamento novo/velho, pessoas jovens/maduras.
Quero lembrar de algumas coisas:
- mudanças de pensamento e/ou de paradigmas se dão muito mais em um "continuum" que de modo revolucionário. Ainda mais nos tempos pós-industriais de estado de bem-estar social, intervencionismo econômico, dominância do setor de serviços e transculturalidade e globalização. Condições que levam, não raro, à falsa ilusão de "fim da História."
- aquele papo "no meu tempo era melhor" ainda aparece de vez em quando, mas é só zona de conforto. Um tempo qualquer do passado, em que as pessoas tinham menor acesso à informação, menor liberdade individual, menor tempo de vida, maior exposição à violência ou à miséria, menor acesso a bens, saúde, viagens, etc, trabalhavam mais, simplesmente NÃO PODE ser melhor. É claro, pode ser melhor em algumas coisas pontuais (melhor urbanismo, menor poluição, etc) mas, no geral, saudosismo é sempre "romântico". E isso se dá pelo mundo todo.
- se as pessoas menos jovens exercem algum poder de resistência a mudanças não é à toa, é que as novas gerações são cada vez menores. No Japão dos anos 1970 nasciam 1 milhão/ano, atualmente são 400 mil. No Brasil dos anos 1960, com uns 75 milhões de habitantes, nasciam 3 milhões de brasileirinhos ano. E os que os antecediam viviam 60 anos... Metade da população tinha sempre menos que 20 anos! Parecia que ia ser sempre assim? Com o mundo sempre a ser construído e ocupado? Atualmente, com 200 milhões de habitantes, nascem apenas 2 milhões por ano no Brasil e a expectativa de vida se aproxima dos 80. Fica fácil ver que a taxa de renovação da sociedade caiu muito. Muitíssimo.
- nos países desenvolvidos a maior geração atualmente viva em termos numéricos é a nascida +/- de 1950 a 1970. São as pessoas entre 45 e 65 anos que têm maior voz, tanto em número como principalmente em poder econômico acumulado. Na América Latina e países medianamente desenvolvidos da Ásia e África é a geração nascida de 1970 a 1990. O curioso é que, apesar de no Brasil haver mais pessoas entre 25 e 45 anos do que mais jovens ou mais velhos, há uma certa dificuldade para essa geração aparecer. Isso precisaria ser melhor estudado e compreendido. Como nos países mais envelhecidos (e em vários deles a idade média da população é maior que 40 anos), e talvez por influência deles, no Brasil ainda há uma grande predominância, pelo menos na grande mídia, de colunistas, jornalistas, pensadores, políticos, com mais de 45 anos. Pode ser um viés meu de gosto, desinformação em relação ao que está emergindo, mas fico mais ou menos com a sensação de que as personalidades ou formadores mais influentes hoje são, com algumas substituições, mais ou menos as mesmas que em 1989... Que se levante isso por cada área de conhecimento/atuação. Mas não era assim nos anos 1970/1980, era?
- de qualquer modo, o que isso tudo quer dizer para não parecer um discurso à toa? Que, ao contrário de 1968 na Europa, ou de 1989 no Brasil, não se pode depositar todo o esforço de renovação de pensamento e criatividade nos mais jovens. Isso seria muito cômodo, mas, no mundo de hoje, todas as pessoas têm responsabilidade de pensar, de se renovar. Por outro lado, os mais jovens fazem bem (ou fariam melhor...) em não se deixar sufocar pela sua inferioridade numérica e por conviverem com duas gerações anteriores tão expressivas e dominantes. Hoje o mundo é tocado simultaneamente por pessoas de 20, 40, 60 e 80. É bom que assim seja e de todos se espera o melhor.
Houve, a meu ver, uma grande mudança demográfica nos últimos 40 anos. Se, por volta do início dos anos 1970, parte expressiva da produção cultural e econômica - e isso se traduzia em poder, ainda que potencial - era depositada em o que chamaríamos de "uma geração", mais presentemente o mesmo papel é compartilhado por "três gerações". Antes as gerações se sucediam, agora convivem. Os mais jovens devem criar, mas aprender com o presente ainda existente. Os mais velhos, por outro lado, não podem mais abrir mão deles mesmo se reciclarem. Não deveriam ser tão "resistentes". Isso é o que mais mudou no mundo, acho, a demografia e a dinâmica geral. Mais que novas ideias ideológicas, culturais ou econômicas.
E, se houve algo próximo a uma "primavera" no Brasil, não terá sido a época 1980-1989, quando acabaram a censura e a proibição a greves, voltaram as eleições em todos os níveis, houve uma nova constituição - até chamada de "cidadã", culminando com as eleições de 1989? Os anos 1980 parecem especialmente marcantes para o Brasil. E é de 1989 também a música "O Tempo Não Pára", de Cazuza, que ainda me parece atual. Ele a gravou aos 31 anos, um ano antes de nos deixar.
Disparo contra o sol
Sou forte, sou por acaso
Minha metralhadora cheia de mágoas
Eu sou um cara
Cansado de correr
Na direção contrária
Sem pódio de chegada ou beijo de namorada
Eu sou mais um cara
Mas se você achar
Que eu tô derrotado
Saiba que ainda estão rolando os dados
Porque o tempo, o tempo não para
Dias sim, dias não
Eu vou sobrevivendo sem um arranhão
Da caridade de quem me detesta
A tua piscina tá cheia de ratos
Tuas ideias não correspondem aos fatos
O tempo não para
Eu vejo o futuro repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades
O tempo não para
Não para, não, não para
Eu não tenho data pra comemorar
Às vezes os meus dias são de par em par
Procurando agulha num palheiro
Nas noites de frio é melhor nem nascer
Nas de calor, se escolhe: é matar ou morrer
E assim nos tornamos brasileiros
Te chamam de ladrão, de bicha, maconheiro
Transformam o país inteiro num puteiro
Pois assim se ganha mais dinheiro
A tua piscina tá cheia de ratos
Tuas ideias não correspondem aos fatos
O tempo não para
Eu vejo o futuro repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades
O tempo não para
Não para, não, não para
Dias sim, dias não
Eu vou sobrevivendo sem um arranhão
Da caridade de quem me detesta
A tua piscina tá cheia de ratos
Tuas ideias não correspondem aos fatos
O tempo não para
Eu vejo o futuro repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades
O tempo não para
Não para, não, não para

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